O figado e o caminho das pedras
O fígado e o caminho das pedras (litíase biliar)
José Carlos Ferraz da Fonseca
Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)Na figura ao lado, podemos verificar uma vesícula biliar contendo em seu interior duas dezenas de pedras provavelmente constituídas de colesterol (setas).
“O fígado e o caminho das pedras”. Um tema médico com título de roteiro de filme ou de livro. Qual seria o porquê deste título tão enigmático? Nada mais, nada menos para chamar a atenção do leitor às possíveis conseqüências ao organismo ou ao fígado da presença de pedras (cálculos biliares) na sua mais famosa companheira e vizinha: a vesícula biliar. Neste artigo, chamo a atenção também para a presença de pedras dentro do fígado e o que poderia acontecer de ruim com este órgão.
As pedras na vesícula biliar (cálculos biliares) se formam quando o líquido armazenado no interior daquela sofre um processo de endurecimento, transformando-se em material sólido. O líquido, chamado bile, é utilizado pelo nosso organismo na digestão das gorduras. A bile é produzida pelo fígado e armazenada na vesícula biliar. Existem dois tipos de cálculos biliares: o primeiro, constituído de colesterol; o segundo, formado por pigmentos. Os cálculos constituídos de colesterol são os mais freqüentes (80%). Usualmente tem uma coloração verde-amarelada e podem ser do tamanho de um grão de areia, de um grão de arroz, do tamanho de um ovo de codorna ou de galinha. A formação dos cálculos biliares contendo colesterol dar-se-ia pelo alto percentual de colesterol contido na bile. Por outro lado, os cálculos constituídos de pigmentos (bilirrubina -produto da bile) são bem menores e podem ter coloração cinzenta-esverdeada, ocre ou negra. A causa da formação dos cálculos pigmentada é de origem incerta, todavia tais cálculos se encontram com maior freqüência em pacientes com cirrose hepática ou portadores de doenças inflamatórias crônicas da vesícula biliar.
Os principais fatores na formação dos cálculos biliares, especialmente os constituídos de colesterol, seriam:
1)obesidade, maior risco na formação de cálculos, especialmente na mulher;
2)excesso de estrógeno (hormônio feminino) durante a gravidez ou estrógeno reposto por terapêutica;
3)sexo feminino (mulheres entre 20-60 anos de idade são duas vezes mais propensas a desenvolver cálculos do que os homens);
4)idade (pessoas maiores que 60 anos tem maior probabilidade de ter cálculos do que pessoas jovens);
5)origem comum de raça (etnia), alta freqüência entre indígenas americanos, mexicanos e população da Amazônia brasileira nativa ou não (predisposição genética?);
6)diabetes, doença sempre acompanhada de altas taxas de gorduras (triglicérides) no sangue e fator de risco para produção de cálculos de colesterol;
7)perda rápida de peso (doenças, regimes, cirurgias redutoras do estômago).Quando um indivíduo perde peso rapidamente, o organismo tenta compensar tal perda, metabolizando rapidamente as gorduras, e isto faz com que o fígado produza taxas extras de colesterol na bile, conseqüentemente levando à formação de cálculos.
Geralmente, as pessoas portadoras de cálculos biliares não apresentam queixas clínicas (cálculos silenciosos ou litíase biliar assintomática), porém a qualquer momento pode ocorrer o que nós chamamos de “queixas de ataque”, caracterizadas por: dor do tipo cólica (cólica biliar), de média intensidade que aumenta progressivamente com o tempo (pode durar 30 minutos ou várias horas) e localiza-se no lado direito e superior do abdome, geralmente abaixo das costelas correspondente (localização da vesícula biliar); dor no ombro direito; enjôos e vômitos.
Após alimentação com altos teores de gordura, tais como feijoada, vaca atolada, muqueca, rabada, arabu (bate-se açúcar com ovo cru de tracajá ou tartaruga), tartarugada, farofa de jabá, lingüiça frita, picanha com três dedos de capa de gordura, é comum o imortal “rei do colesterol” queixar-se à noite, depois do almoço familiar dominical, de gases incontroláveis e inconvenientes, boca amarga e com gosto de cabo de guarda-chuva (cabo de guarda-chuva tem gosto?), cólica, sensação que a barriga vai explodir (distensão abdominal). No dia seguinte, logo pela manhã o paciente refere intolerância a alimentos gordurosos. Chamamos todo este quadro clínico de litíase biliar sintomática. Com certeza, no próximo domingo já foi tudo esquecido e aí começa tudo de novo, logo no café da manhã do brasileiro: banana frita, pão de queijo (pão de maior concentração de gordura no cardápio brasileiro), queijo frito na chapa, pão com ovo frito, macaxeira banhada na manteiga, bolo de milho, canjica, mungunzá e tapioca carregada na manteiga. Mas para compensar o “pecado da gula”, o nosso dileto paciente exige e toma café preto com adoçante artificial. Até hoje, ainda não descobri porque os comilões adoram café adoçado artificialmente e refrigerante light. Seria somente uma questão religiosa?
Um dia a presença crônica dessas pedras na vesícula biliar começam a trazer complicações. A vesícula biliar inflama (colecistite aguda) e o paciente apresenta dor constante na boca do estômago e debaixo das costelas direitas, com reflexo para o ombro direito. Existe o relato de calafrios, febre alta, enjôos, vômitos, os olhos e a pele ficam amarelos (icterícia). As fezes ficam brancas ou semelhantes à massa de vidraceiro (acolia) e a urina cor de guaraná regional (colúria). A dor, sempre presente no processo de inflamação aguda da vesícula biliar, é o único sintoma que a diferencia de uma hepatite aguda por vírus ou droga.
A ultra-sonografia é o procedimento de diagnóstico médico de eleição com uma sensibilidade e especificidade de 95%. Após o diagnóstico, chegou o momento do médico agir. Inicialmente, trata-se o processo infeccioso com antibióticos. Depois de esfriado o processo infeccioso (desaparecimento da febre e dos outros sinais e sintomas), o paciente será encaminhado ao cirurgião para extração deste saco de pedras (vesícula biliar), seja por cirurgia convencional ou por vídeo-laparoscopia. A presença de cálculos na vesícula biliar com mais de dois centímetros de tamanho associado a infecções freqüentes deste órgão (colecistite crônica) seria responsável pelo aparecimento do câncer de vesícula biliar em 90% dos casos. Lembre-se: você pode viver muito bem sem a sua vesícula biliar doente.
As pedras na vesícula biliar podem comprometer o fígado? Claro que sim, daí o tema do artigo. Quando a vesícula biliar repleta de pedras apresenta processo inflamatório, existe uma tendência de obstruir a passagem de biles para o intestino. A bile não excretada reflui para o fígado, torna-se tóxica e vai ocasionar hepatite aguda. As bactérias responsáveis pela inflamação da vesícula biliar podem ascender para o fígado e daí podem provocar um quadro infeccioso agudo, geralmente grave, tendendo a formação de hepatite aguda infecciosa (bacteriana) e posteriormente de abscessos no fígado. Se não tratado, o paciente poderá morrer com infecção generalizada.
Raramente observamos a presença de cálculos dentro do fígado. Mas, quando isto ocorre, os sintomas e sinais são semelhantes à presença de cálculos na vesícula biliar. Existe uma doença rara chamada “Doença de Caroli”, que se caracteriza principalmente pela presença de pedras dentro do fígado e episódios freqüentes de infecção por bactérias (hepatite aguda trans-infecciosa).
Obs. A figura acima foi obtida através de material educacional (livre utilização), pertencente a Asociación Española para del Estúdio el Hígado (CD Fondo de Imagem em Hepatologia, 2005) e patrocinado pelo laboratório internacional Schering-Plugh S.A.
www.sositaguare.blogspot.com
José Carlos Ferraz da Fonseca
Médico especialista em Doenças do Fígado (Hepatologia)Na figura ao lado, podemos verificar uma vesícula biliar contendo em seu interior duas dezenas de pedras provavelmente constituídas de colesterol (setas).
“O fígado e o caminho das pedras”. Um tema médico com título de roteiro de filme ou de livro. Qual seria o porquê deste título tão enigmático? Nada mais, nada menos para chamar a atenção do leitor às possíveis conseqüências ao organismo ou ao fígado da presença de pedras (cálculos biliares) na sua mais famosa companheira e vizinha: a vesícula biliar. Neste artigo, chamo a atenção também para a presença de pedras dentro do fígado e o que poderia acontecer de ruim com este órgão.
As pedras na vesícula biliar (cálculos biliares) se formam quando o líquido armazenado no interior daquela sofre um processo de endurecimento, transformando-se em material sólido. O líquido, chamado bile, é utilizado pelo nosso organismo na digestão das gorduras. A bile é produzida pelo fígado e armazenada na vesícula biliar. Existem dois tipos de cálculos biliares: o primeiro, constituído de colesterol; o segundo, formado por pigmentos. Os cálculos constituídos de colesterol são os mais freqüentes (80%). Usualmente tem uma coloração verde-amarelada e podem ser do tamanho de um grão de areia, de um grão de arroz, do tamanho de um ovo de codorna ou de galinha. A formação dos cálculos biliares contendo colesterol dar-se-ia pelo alto percentual de colesterol contido na bile. Por outro lado, os cálculos constituídos de pigmentos (bilirrubina -produto da bile) são bem menores e podem ter coloração cinzenta-esverdeada, ocre ou negra. A causa da formação dos cálculos pigmentada é de origem incerta, todavia tais cálculos se encontram com maior freqüência em pacientes com cirrose hepática ou portadores de doenças inflamatórias crônicas da vesícula biliar.
Os principais fatores na formação dos cálculos biliares, especialmente os constituídos de colesterol, seriam:
1)obesidade, maior risco na formação de cálculos, especialmente na mulher;
2)excesso de estrógeno (hormônio feminino) durante a gravidez ou estrógeno reposto por terapêutica;
3)sexo feminino (mulheres entre 20-60 anos de idade são duas vezes mais propensas a desenvolver cálculos do que os homens);
4)idade (pessoas maiores que 60 anos tem maior probabilidade de ter cálculos do que pessoas jovens);
5)origem comum de raça (etnia), alta freqüência entre indígenas americanos, mexicanos e população da Amazônia brasileira nativa ou não (predisposição genética?);
6)diabetes, doença sempre acompanhada de altas taxas de gorduras (triglicérides) no sangue e fator de risco para produção de cálculos de colesterol;
7)perda rápida de peso (doenças, regimes, cirurgias redutoras do estômago).Quando um indivíduo perde peso rapidamente, o organismo tenta compensar tal perda, metabolizando rapidamente as gorduras, e isto faz com que o fígado produza taxas extras de colesterol na bile, conseqüentemente levando à formação de cálculos.
Geralmente, as pessoas portadoras de cálculos biliares não apresentam queixas clínicas (cálculos silenciosos ou litíase biliar assintomática), porém a qualquer momento pode ocorrer o que nós chamamos de “queixas de ataque”, caracterizadas por: dor do tipo cólica (cólica biliar), de média intensidade que aumenta progressivamente com o tempo (pode durar 30 minutos ou várias horas) e localiza-se no lado direito e superior do abdome, geralmente abaixo das costelas correspondente (localização da vesícula biliar); dor no ombro direito; enjôos e vômitos.
Após alimentação com altos teores de gordura, tais como feijoada, vaca atolada, muqueca, rabada, arabu (bate-se açúcar com ovo cru de tracajá ou tartaruga), tartarugada, farofa de jabá, lingüiça frita, picanha com três dedos de capa de gordura, é comum o imortal “rei do colesterol” queixar-se à noite, depois do almoço familiar dominical, de gases incontroláveis e inconvenientes, boca amarga e com gosto de cabo de guarda-chuva (cabo de guarda-chuva tem gosto?), cólica, sensação que a barriga vai explodir (distensão abdominal). No dia seguinte, logo pela manhã o paciente refere intolerância a alimentos gordurosos. Chamamos todo este quadro clínico de litíase biliar sintomática. Com certeza, no próximo domingo já foi tudo esquecido e aí começa tudo de novo, logo no café da manhã do brasileiro: banana frita, pão de queijo (pão de maior concentração de gordura no cardápio brasileiro), queijo frito na chapa, pão com ovo frito, macaxeira banhada na manteiga, bolo de milho, canjica, mungunzá e tapioca carregada na manteiga. Mas para compensar o “pecado da gula”, o nosso dileto paciente exige e toma café preto com adoçante artificial. Até hoje, ainda não descobri porque os comilões adoram café adoçado artificialmente e refrigerante light. Seria somente uma questão religiosa?
Um dia a presença crônica dessas pedras na vesícula biliar começam a trazer complicações. A vesícula biliar inflama (colecistite aguda) e o paciente apresenta dor constante na boca do estômago e debaixo das costelas direitas, com reflexo para o ombro direito. Existe o relato de calafrios, febre alta, enjôos, vômitos, os olhos e a pele ficam amarelos (icterícia). As fezes ficam brancas ou semelhantes à massa de vidraceiro (acolia) e a urina cor de guaraná regional (colúria). A dor, sempre presente no processo de inflamação aguda da vesícula biliar, é o único sintoma que a diferencia de uma hepatite aguda por vírus ou droga.
A ultra-sonografia é o procedimento de diagnóstico médico de eleição com uma sensibilidade e especificidade de 95%. Após o diagnóstico, chegou o momento do médico agir. Inicialmente, trata-se o processo infeccioso com antibióticos. Depois de esfriado o processo infeccioso (desaparecimento da febre e dos outros sinais e sintomas), o paciente será encaminhado ao cirurgião para extração deste saco de pedras (vesícula biliar), seja por cirurgia convencional ou por vídeo-laparoscopia. A presença de cálculos na vesícula biliar com mais de dois centímetros de tamanho associado a infecções freqüentes deste órgão (colecistite crônica) seria responsável pelo aparecimento do câncer de vesícula biliar em 90% dos casos. Lembre-se: você pode viver muito bem sem a sua vesícula biliar doente.
As pedras na vesícula biliar podem comprometer o fígado? Claro que sim, daí o tema do artigo. Quando a vesícula biliar repleta de pedras apresenta processo inflamatório, existe uma tendência de obstruir a passagem de biles para o intestino. A bile não excretada reflui para o fígado, torna-se tóxica e vai ocasionar hepatite aguda. As bactérias responsáveis pela inflamação da vesícula biliar podem ascender para o fígado e daí podem provocar um quadro infeccioso agudo, geralmente grave, tendendo a formação de hepatite aguda infecciosa (bacteriana) e posteriormente de abscessos no fígado. Se não tratado, o paciente poderá morrer com infecção generalizada.
Raramente observamos a presença de cálculos dentro do fígado. Mas, quando isto ocorre, os sintomas e sinais são semelhantes à presença de cálculos na vesícula biliar. Existe uma doença rara chamada “Doença de Caroli”, que se caracteriza principalmente pela presença de pedras dentro do fígado e episódios freqüentes de infecção por bactérias (hepatite aguda trans-infecciosa).
Obs. A figura acima foi obtida através de material educacional (livre utilização), pertencente a Asociación Española para del Estúdio el Hígado (CD Fondo de Imagem em Hepatologia, 2005) e patrocinado pelo laboratório internacional Schering-Plugh S.A.
www.sositaguare.blogspot.com
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