NZINGA MBANDI CONTRA A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA .
ESTA É A HISTÓRIA!
"NZINGA MBANDI CONTRA A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA":
PARTE 02
obs: a imagem em anexo é de um Jaga ou Imbangala*
...
"NZINGA MBANDI CONTRA A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA":
PARTE 02
obs: a imagem em anexo é de um Jaga ou Imbangala*
...
3 - "Jagas ou Imbangalas: criação e negação da historiografia"
O nome Jaga aparece na Europa pela primeira vez pelos relatos de Lopez, publicados por Pigaffeta em 1591. Aos Jagas é atribuída a culpa pela grande invasão que devastou o reino do Congo em 1568 e expulsou o rei D. Álvaro de sua capital.
São descritos como bárbaros, cruéis, canibais, um povo que vivia da guerra, causando destruição das estruturas mais civilizadas da África Central:
"Eles (os Jagas) eram grandes em estatura, mas de uma proporção doentia, e viviam como bestas selvagens, e comiam carne humana. Quando lutavam demonstravam grande coragem, e usavam barulhos pavorosos para assustar os inimigos".
O Capuchinho Cavazzi, missionário nos reinos do Congo, Matamba e Angola no século XVII, deixou uma descrição “quase etnográfica’ deste grupo, registrando seus ritos, juramentos, crenças, formas de moradia e alimentação. Com sua função de enviado do Vaticano através da Propaganda da FIDE para combater as heresias e levar a “verdadeira fé” aos povos gentios, Cavazzi enxergou nos Jagas o próprio diabo cristão e suas práticas religiosas foram traduzidas como “seitas demoníacas”. Pensamento este que acompanhou o trabalho missionário na África por longos séculos.
As fontes do século XVII sempre chamam os bandos de guerreiros nômades de Jagas, destacando-se o caráter desumano destas populações e seus hábitos antropofágicos.
Na década de 1960 a historiografia passou a discutir a identidade étnica do ditos Jagas, relacionando-os aos Imbangalas. David Birmingham primeiramente considerou os Imbangalas “refugiados” originários da Lunda que saíram do seu país após a invasão Luba, formando um grupo étnico culturalmente distinto dos Jagas, que seria um “povo errante”. Em outro trabalho publicado no mesmo ano, Birmingham diz que o “designativo Jaga se identificava com o nome pelo qual os Portugueses chamavam habitualmente os chefes Imbangala”. Alguns anos mais tarde, este mesmo autor admitia a especificidade étnica dos Jagas, levantando a hipótese de que eles teriam emergido diretamente da turbulenta área dos estados Luba, e que viajaram para a costa atlântica do Congo, enquanto que os Imbangalas foram indiretamente postos em movimento pelas mesmas mudanças quando atingiram Luanda.
Jan Vansina diz que os Jagas eram originários da Lunda ou, mais provavelmente, da Luba. Os Jagas, que sempre incorporaram outros povos, no início do século XVII, estavam “divagando um pouco por toda parte” na região do Alto-Kwango, chamando a si próprios de Mbangala ou Mbongola, sendo mais tarde incorporados pelos Kinguri/ Lunda.
Joseph Miller é o primeiro a usar o nome Jaga entre aspas, sinalizando sua subjetividade. Segundo este autor, o termo “Jaga” era o nome pelo qual os Imbangalas eram equivocadamente conhecidos. Em seus estudos, afirma que os Imbangalas eram os descendentes do Kinguri/Lunda, que invadiram a região norte do país Mbundo no século XVII
O mesmo Miller, no ano seguinte, escreve um artigo com a declarada intenção de abolir a noção de Jaga da historiografia da África Central como sinônimo de uma entidade etno-cultural definida. Já pelo título do artigo “Réquiem for the Jaga”, Miller sugere a eliminação deste grupo da história da região, ao afirmar que os Jagas nunca existiram fora da imaginação dos missionários, traficantes de escravos ou dos oficiais do Governo português, que criaram estes míticos canibais para justificar suas próprias atividades na África. Os europeus enxergavam a crueldade, canibalismo e barbárie em vários povos africanos e acabaram dando a todos o nome de “Jaga”, somando-se a noções imprecisas da geografia africana nos séculos XVI e XVII. Erros etimológicos teriam estimulado a falsa associação entre Jaga, Agagi, Galas.
As características físicas dos Jagas e seus comportamentos, como foi descrito, reverteu todas as coisas que eram familiares aos europeus: eram negros, monstruosos, canibais e destruíam toda e qualquer forma de civilização, assim desempenharam a mesma função que as Amazonas na mitologia européia, como uma oposição aos valores “civilizados”. Alguns detalhes da aparência e armamento dos Jagas derivavam do generalizado estereotipo do selvagem africano.
O alegado apetite por carne humana recebeu especial atenção dos traficantes de escravos em Angola. Mercadores privados e públicos os usaram para defender a moralidade do tráfico pois a escravização livraria os povos Mbundo de serem comidos pelos Jagas. O argumento de que o tráfico negreiro era uma benção pois salvava os negros do canibalismo e os convertia para o seio da “Santa Madre Igreja” foi dito pelo capitão Cadornega e se manteve na historiografia portuguesa pró-colonalista até o século XX. Traficantes também os evocaram para explicar as diferenças entre o número de prisioneiros feitos no interior e o número de escravos exportados no litoral. Os escravos faltantes, é claro, foram exportados ilegalmente, sem pagar os tributos devidos, mas os traficantes ilícitos explicaram esta discrepância alegando que teriam sido comidos pelos Jagas.
Miller, ao se aprofundar na história do Congo, conclui que a dita invasão de 1568 fora uma colisão de descontentes internos que assolaram o poder, somados a invasores externos de outros reinos vizinhos. Para Miller, a criação do “mito dos Jagas” serviu bem aos propósitos portugueses, pois após o resgate de D. Álvaro, Portugal passou exigir soberania daquele reino.
John Thornthon deu continuidade ao debate ao “ressuscitar” os Jagas, afirmando sua existência histórica. Identifica-os aos Yakas do Vale do Niari, que de fato, invadiram o Congo. Conclui que o nome Jaga descreve mais um modo de vida do que um grupo étnico específico. Em uma análise mais apurada, percebe-se que Thornthon não se afasta muito de Miller pois ambos concordam que o vocábulo “Jaga” não deve ser entendido como um grupo étnico particular, mas sim um conjunto de formações sociais etno-culturalmente heterogêneas que, em determinados momentos da história, adotaram a instituição do Kilombo.
François Bontick também dá sua contribuição para o debate, publicado na mesma revista, acrescentando dados mais apurados sobre a geografia do Congo para reafirmar a existência deste grupo enquanto agente histórico, mas não nos fornece mais informações sobre quem eram os Jagas que aparecem na documentação de Angola do século XVII.
Miller realizou uma longa pesquisa junto aos descendentes do bando de Kinguri, os Imbangalas do distrito de Malanje. O pesquisador reuniu histórias orais contadas por historiadores oficiais da corte do antigo estado de Kasanje, chamados ndala kandumbu, e pelos baka a musendo, “historiadores” não oficiais, mas profissionais. Miller percebeu como as insígnias de poder das linhagens Mbundo foram diluídas ou incorporadas pelos Kilombos em suas migrações.
4 - "Imbangalas: origens, ritos e mitos"
Lopez-Pigaffeta apresentam a origem dos Jagas nas lendárias terras perto do lago do Nilo, uma região conhecida no século XVI apenas por vagas referências em textos antigos, onde se acreditava estar na província do Império “Monemugi”. O Mwene Mugi era um reino mítico que os geógrafos daquele tempo comumente localizavam no interior do continente. A atribuição desta terra de origem ao Jagas revela declaradamente as suas qualidades míticas.
Cavazzi relata, segundo as tradições que ouviu no tempo que viveu em Angola, que os Jagas teriam vindo de Serra Leoa. Narra as origens fundadoras deste bando guerreiro em que um grande chefe chamado Zimbo percorreu vasta área da África Central destruindo povoações e conclamando guerreiros para o acompanhar. Sua mulher ou filha, chamada Temba Ndumba, a fim de tornar seus soldados invencíveis realizou um ritual chamado Magi a Samba, em que lançou seu filho recém-nascido num caldeirão e com um pilão esmagou a criança até reduzi-la a uma pasta, a qual acrescentou algumas ervas e raízes. Este ungüento foi passado no corpo dos guerreiros para lhes dar forças mágicas e imortalidade. O bando conclamou Temba Ndumba como líder do bando e passou a seguir severamente as leis Kijilas, que significa proibição na língua Kimbundo.
Os Jagas eram nômades e andavam pela África Central pilhando comunidades e aprisionando jovens ainda não iniciados nos ritos de passagem para a vida adulta dos povos Mbundo. Andrew Battell, um comerciante inglês que viveu como refém do bando de Imbe Kalandula durante cerca de 16 meses em 1600-1601, observou que os Imbangalas obtinham novos recrutas quando invadiam uma aldeia e capturavam meninos e meninas entre 13 e 14 anos e os criavam como se fossem seus próprios filhos. Viviam em Kilombos, cujo significado aparece nas fontes como acampamento militar, estrutura altamente hierarquizada e protegida por várias paliçadas, que se deslocava conforme as necessidades bélicas do bando.
É importante ressaltar que os Jagas não eram um grupo único e coeso, não formavam um integrado sistema político local. Havia vários bandos de Jagas que se movimentavam e agiam separadamente em diversas rotas, sob o poder exclusivo do chefe de cada Kilombo.
Miller estudou a sociedade Imbangala descendente do bando de Kulaxingo, identificado como o poderoso Jaga Kazanje da documentação do século XVII, e percebeu que o assassinato de crianças, representado pelo ritual Magi a Samba, era uma forma de romper os laços de linhagem que dominavam a sociedade Mbundo. Da mesma forma, o rapto de jovens não iniciados servia a este propósito de desprender-se das regras e costumes do grupo de origem e prestar obediência exclusiva ao chefe do Kilombo e não mais aos mais velhos da linhagem e aos detentores das insígnias de poder onde nasceram. Assim os Imbangalas conseguiram se libertar das linhagens, tão importantes no universo Mbundo daquele tempo, e fundar uma nova sociedade com rituais próprios de iniciação e de entronização do poder, em que a obediência ao chefe do Kilombo e a guerra eram elementos fundamentais.
THIS IS HISTORY!
"Nzinga Mbandi PORTUGUESE SETTLEMENT AGAINST":
PART 02
3 - "Jaga or Imbangala: creation and denial of historiography"
The Jaga name appears in Europe for the first time by Lopez reports, published in 1591. At Jagas Pigaffeta is assigned the blame for the great invasion that devastated the kingdom of Congo in 1568 and expelled the king Don Alvaro its capital.
They are described as barbaric, cruel, cannibals, a people who lived the war, causing destruction of the civilized structures of Central Africa:
"They (the Jagas) were large in stature, but an unhealthy proportion, and lived like wild beasts, and ate human flesh. When fighting showed great courage, and used frightful noises to scare the enemy."
The Capuchin Cavazzi, missionary in the realms of Congo, Matamba and Angola in the seventeenth century, left a description "almost ethnographic 'of this group, recording their rites, oaths, beliefs, forms of housing and food. With his Vatican sent function by FIDE of Propaganda to combat heresies and lead to "true faith" to gentiles, Cavazzi saw in Jagas the devil and his own Christian religious practices were translated as "demonic cults". This thinking that accompanied the missionary work in Africa for many centuries.
The sources of the seventeenth century always call the bands of nomadic warriors Jagas, highlighting the inhumanity of these populations and their cannibal habits.
In the 1960s historiography went on to discuss the ethnic identity of said Jagas, relating them to Imbangala. David Birmingham first saw the Imbangala "refugees" originating in Lunda having left the country after the invasion Luba, forming a culturally distinct ethnic group of Jagas, it would be a "wandering people". In another study published the same year, Birmingham says the "Jaga designation identified with the name by which the Portuguese usually called the Imbangala heads." A few years later, this same author admitted the ethnic specificity of Jagas, raising the possibility that they would have directly emerged from the turbulent area of Luba states, and traveled to the Atlantic coast of Congo, while Imbangala were indirectly set in motion the same changes when they reached Luanda.
Jan Vansina says Jagas were from Lunda or, more likely, the Luba. The Jaga, who always incorporated other people, in the early seventeenth century were "wandering a bit everywhere" in High-Kwango region, calling themselves the Mbangala or Mbongola and was later incorporated by Kinguri / Lunda.
Joseph Miller is the first to use the Jaga name in quotation marks, signaling their subjectivity. According to him, the term "Jaga" was the name by which Imbangala were mistakenly known. In their studies, he says the Imbangala were the descendants of Kinguri / Lunda, who invaded the northern part of the country in the seventeenth century Mbundo
The same Miller the following year, I wrote an article with the declared intention to abolish the notion of Jaga historiography of Central Africa as a synonym for an ethno-cultural entity set. Already the title of the article "Requiem for the Jaga," Miller suggests the elimination of this group in the history of the region, stating that the Jagas never existed outside the imagination of missionaries, slave traders or officials from the Portuguese Government which established these mythical cannibals to justify their own activities in Africa. Europeans could see the cruelty, barbarism and cannibalism in various African peoples and ended up giving everyone the name "Jaga", adding to the inaccurate notions of African geography in the sixteenth and seventeenth centuries. Etymological errors would have encouraged the false association between Jaga, Agagi, Galas.
The physical characteristics of Jaga and their behavior, as described, reversed all the things that were familiar to the Europeans: they were black, monstrous cannibals and destroy all forms of civilization as well have played the same function as the Amazon in European mythology, as opposed to the "civilized" values. Some details of the look and weaponry of Jagas derived from the widespread stereotype of the African wild.
The alleged appetite for human flesh received special attention from slave traders in Angola. Public and private merchants used to defend the morality of trafficking for slavery bookstore Mbundo the people being eaten by Jaga. The argument that the slave trade was a blessing because it saved the black cannibalism and converted to the bosom of the "Mother Church" was said by Captain Cadornega and remained in the pro-colonalista Portuguese historiography until the twentieth century. Traffickers also evoked to explain the differences between the number of prisoners taken in and the number of slaves exported on the coast. Missing slaves, of course, have been exported illegally, without paying taxes due, but the illicit traffickers explained this discrepancy saying that would have been eaten by Jaga.
Miller, to delve into the history of the Congo, concludes that the invasion said 1568 had been an internal unhappy collision that struck power, added the foreign invaders from neighboring kingdoms. For Miller, the creation of the "myth of Jagas" served well the Portuguese purposes because after the rescue of Don Alvaro, Portugal spent sovereignty require that kingdom.
John Thornthon continued the debate to "resurrect" the Jagas, affirming its historical existence. Identifies them to Yakas Niari Valley, which actually invaded the Congo. It concludes that the Jaga name describes more a way of life than a specific ethnic group. In a more detailed analysis, we can see that Thornthon does not stray far from Miller since both agree that the word "Jaga" should not be understood as a particular ethnic group, but rather a set of ethno-culturally heterogeneous social formations that, certain times in history, have adopted the institution of Kilombo.
François Bontick also gives its contribution to the debate, published in the same journal, adding more accurate data on the geography of the Congo to reaffirm the existence of this group as a historical agent, but does not give us more information about who the Jagas that appear in the documentation Angola seventeenth century.
Miller made a long survey of descendants of Kinguri bunch, the Imbangala of Malanje district. The researcher gathered oral histories told by official historians of the court of the former State Kasanje called Ndala kandumbu, and the baka the musendo, "historians" unofficial, but professional. Miller noticed how the power insignia Mbundo strains were diluted or incorporated by Kilombos in their migrations.
4 - "Imbangala: Origins, rites and myths"
Lopez-Pigaffeta present the origin of Jagas the legendary land of the Nile near the lake, which is also known in the sixteenth century only by vague references in ancient texts, which was believed to be the province of the Empire "Monemugi". The Mwene Mugi was a mythical kingdom that geographers of that time often were located inside the continent. The allocation of this land of origin to Jagas reportedly reveals its mythical qualities.
Cavazzi reports, according to the traditions he heard in the time lived in Angola, the Jaga would have come from Sierra Leone. Chronicles the founding origins of this warrior band where a great chief called Zimbo ran wide area of Central Africa destroying villages and urging warriors to follow. His wife or daughter, named Temba Ndumba in order to make your invincible soldiers held a ritual called Magi Samba, he released her newborn son in a cauldron and pestle crushed the child to reduce it to a folder, the which he added some herbs and roots. This ointment was passed in the body of warriors to give them magical powers and immortality. The band urged Temba Ndumba as leader of the pack and passed severely following the Kijilas laws, meaning ban on Kimbundo language.
The Jaga were nomads and walked the Africa Central pillaging communities and imprisoning young people still uninitiated in the rites of passage into adulthood of Mbundo people. Andrew Battell, an English merchant who lived as a hostage Imbe Kalandula band for about 16 months from 1600 to 1601, noted that Imbangala obtained new recruits when they raided a village and captured boys and girls between 13 and 14 years and created as if they were his own children. They lived in Kilombos whose meaning appears in the sources as a military camp, highly hierarchical structure and protected by several palisades, which moved as the war needs of the bunch.
Importantly, the Jaga were not a single, cohesive group, did not form an integrated local political system. There were several Jagas gangs that moved and acted separately on different routes under the exclusive power of the head of each Kilombo.
Miller studied the downward Imbangala society Kulaxingo gang, identified as the powerful Jaga Kazanje the seventeenth century documentation, and realized that the murder of children, represented by ritual Magi Samba, was a way to break the line of ties that dominated the Mbundo society. Similarly, the young kidnapping uninitiated served this purpose loosen up the rules and customs of the original group and provide unique obedience to the head of Kilombo and no longer the oldest lineage and to the holders of power insignia where born. So the Imbangala managed to free themselves of the lines, so important in Mbundo universe that time, and found a new society with its own rites of initiation and enthronement of power, in which obedience to the head of Kilombo and war were key elements.
www.sositaguare.blogspot.com
O nome Jaga aparece na Europa pela primeira vez pelos relatos de Lopez, publicados por Pigaffeta em 1591. Aos Jagas é atribuída a culpa pela grande invasão que devastou o reino do Congo em 1568 e expulsou o rei D. Álvaro de sua capital.
São descritos como bárbaros, cruéis, canibais, um povo que vivia da guerra, causando destruição das estruturas mais civilizadas da África Central:
"Eles (os Jagas) eram grandes em estatura, mas de uma proporção doentia, e viviam como bestas selvagens, e comiam carne humana. Quando lutavam demonstravam grande coragem, e usavam barulhos pavorosos para assustar os inimigos".
O Capuchinho Cavazzi, missionário nos reinos do Congo, Matamba e Angola no século XVII, deixou uma descrição “quase etnográfica’ deste grupo, registrando seus ritos, juramentos, crenças, formas de moradia e alimentação. Com sua função de enviado do Vaticano através da Propaganda da FIDE para combater as heresias e levar a “verdadeira fé” aos povos gentios, Cavazzi enxergou nos Jagas o próprio diabo cristão e suas práticas religiosas foram traduzidas como “seitas demoníacas”. Pensamento este que acompanhou o trabalho missionário na África por longos séculos.
As fontes do século XVII sempre chamam os bandos de guerreiros nômades de Jagas, destacando-se o caráter desumano destas populações e seus hábitos antropofágicos.
Na década de 1960 a historiografia passou a discutir a identidade étnica do ditos Jagas, relacionando-os aos Imbangalas. David Birmingham primeiramente considerou os Imbangalas “refugiados” originários da Lunda que saíram do seu país após a invasão Luba, formando um grupo étnico culturalmente distinto dos Jagas, que seria um “povo errante”. Em outro trabalho publicado no mesmo ano, Birmingham diz que o “designativo Jaga se identificava com o nome pelo qual os Portugueses chamavam habitualmente os chefes Imbangala”. Alguns anos mais tarde, este mesmo autor admitia a especificidade étnica dos Jagas, levantando a hipótese de que eles teriam emergido diretamente da turbulenta área dos estados Luba, e que viajaram para a costa atlântica do Congo, enquanto que os Imbangalas foram indiretamente postos em movimento pelas mesmas mudanças quando atingiram Luanda.
Jan Vansina diz que os Jagas eram originários da Lunda ou, mais provavelmente, da Luba. Os Jagas, que sempre incorporaram outros povos, no início do século XVII, estavam “divagando um pouco por toda parte” na região do Alto-Kwango, chamando a si próprios de Mbangala ou Mbongola, sendo mais tarde incorporados pelos Kinguri/ Lunda.
Joseph Miller é o primeiro a usar o nome Jaga entre aspas, sinalizando sua subjetividade. Segundo este autor, o termo “Jaga” era o nome pelo qual os Imbangalas eram equivocadamente conhecidos. Em seus estudos, afirma que os Imbangalas eram os descendentes do Kinguri/Lunda, que invadiram a região norte do país Mbundo no século XVII
O mesmo Miller, no ano seguinte, escreve um artigo com a declarada intenção de abolir a noção de Jaga da historiografia da África Central como sinônimo de uma entidade etno-cultural definida. Já pelo título do artigo “Réquiem for the Jaga”, Miller sugere a eliminação deste grupo da história da região, ao afirmar que os Jagas nunca existiram fora da imaginação dos missionários, traficantes de escravos ou dos oficiais do Governo português, que criaram estes míticos canibais para justificar suas próprias atividades na África. Os europeus enxergavam a crueldade, canibalismo e barbárie em vários povos africanos e acabaram dando a todos o nome de “Jaga”, somando-se a noções imprecisas da geografia africana nos séculos XVI e XVII. Erros etimológicos teriam estimulado a falsa associação entre Jaga, Agagi, Galas.
As características físicas dos Jagas e seus comportamentos, como foi descrito, reverteu todas as coisas que eram familiares aos europeus: eram negros, monstruosos, canibais e destruíam toda e qualquer forma de civilização, assim desempenharam a mesma função que as Amazonas na mitologia européia, como uma oposição aos valores “civilizados”. Alguns detalhes da aparência e armamento dos Jagas derivavam do generalizado estereotipo do selvagem africano.
O alegado apetite por carne humana recebeu especial atenção dos traficantes de escravos em Angola. Mercadores privados e públicos os usaram para defender a moralidade do tráfico pois a escravização livraria os povos Mbundo de serem comidos pelos Jagas. O argumento de que o tráfico negreiro era uma benção pois salvava os negros do canibalismo e os convertia para o seio da “Santa Madre Igreja” foi dito pelo capitão Cadornega e se manteve na historiografia portuguesa pró-colonalista até o século XX. Traficantes também os evocaram para explicar as diferenças entre o número de prisioneiros feitos no interior e o número de escravos exportados no litoral. Os escravos faltantes, é claro, foram exportados ilegalmente, sem pagar os tributos devidos, mas os traficantes ilícitos explicaram esta discrepância alegando que teriam sido comidos pelos Jagas.
Miller, ao se aprofundar na história do Congo, conclui que a dita invasão de 1568 fora uma colisão de descontentes internos que assolaram o poder, somados a invasores externos de outros reinos vizinhos. Para Miller, a criação do “mito dos Jagas” serviu bem aos propósitos portugueses, pois após o resgate de D. Álvaro, Portugal passou exigir soberania daquele reino.
John Thornthon deu continuidade ao debate ao “ressuscitar” os Jagas, afirmando sua existência histórica. Identifica-os aos Yakas do Vale do Niari, que de fato, invadiram o Congo. Conclui que o nome Jaga descreve mais um modo de vida do que um grupo étnico específico. Em uma análise mais apurada, percebe-se que Thornthon não se afasta muito de Miller pois ambos concordam que o vocábulo “Jaga” não deve ser entendido como um grupo étnico particular, mas sim um conjunto de formações sociais etno-culturalmente heterogêneas que, em determinados momentos da história, adotaram a instituição do Kilombo.
François Bontick também dá sua contribuição para o debate, publicado na mesma revista, acrescentando dados mais apurados sobre a geografia do Congo para reafirmar a existência deste grupo enquanto agente histórico, mas não nos fornece mais informações sobre quem eram os Jagas que aparecem na documentação de Angola do século XVII.
Miller realizou uma longa pesquisa junto aos descendentes do bando de Kinguri, os Imbangalas do distrito de Malanje. O pesquisador reuniu histórias orais contadas por historiadores oficiais da corte do antigo estado de Kasanje, chamados ndala kandumbu, e pelos baka a musendo, “historiadores” não oficiais, mas profissionais. Miller percebeu como as insígnias de poder das linhagens Mbundo foram diluídas ou incorporadas pelos Kilombos em suas migrações.
4 - "Imbangalas: origens, ritos e mitos"
Lopez-Pigaffeta apresentam a origem dos Jagas nas lendárias terras perto do lago do Nilo, uma região conhecida no século XVI apenas por vagas referências em textos antigos, onde se acreditava estar na província do Império “Monemugi”. O Mwene Mugi era um reino mítico que os geógrafos daquele tempo comumente localizavam no interior do continente. A atribuição desta terra de origem ao Jagas revela declaradamente as suas qualidades míticas.
Cavazzi relata, segundo as tradições que ouviu no tempo que viveu em Angola, que os Jagas teriam vindo de Serra Leoa. Narra as origens fundadoras deste bando guerreiro em que um grande chefe chamado Zimbo percorreu vasta área da África Central destruindo povoações e conclamando guerreiros para o acompanhar. Sua mulher ou filha, chamada Temba Ndumba, a fim de tornar seus soldados invencíveis realizou um ritual chamado Magi a Samba, em que lançou seu filho recém-nascido num caldeirão e com um pilão esmagou a criança até reduzi-la a uma pasta, a qual acrescentou algumas ervas e raízes. Este ungüento foi passado no corpo dos guerreiros para lhes dar forças mágicas e imortalidade. O bando conclamou Temba Ndumba como líder do bando e passou a seguir severamente as leis Kijilas, que significa proibição na língua Kimbundo.
Os Jagas eram nômades e andavam pela África Central pilhando comunidades e aprisionando jovens ainda não iniciados nos ritos de passagem para a vida adulta dos povos Mbundo. Andrew Battell, um comerciante inglês que viveu como refém do bando de Imbe Kalandula durante cerca de 16 meses em 1600-1601, observou que os Imbangalas obtinham novos recrutas quando invadiam uma aldeia e capturavam meninos e meninas entre 13 e 14 anos e os criavam como se fossem seus próprios filhos. Viviam em Kilombos, cujo significado aparece nas fontes como acampamento militar, estrutura altamente hierarquizada e protegida por várias paliçadas, que se deslocava conforme as necessidades bélicas do bando.
É importante ressaltar que os Jagas não eram um grupo único e coeso, não formavam um integrado sistema político local. Havia vários bandos de Jagas que se movimentavam e agiam separadamente em diversas rotas, sob o poder exclusivo do chefe de cada Kilombo.
Miller estudou a sociedade Imbangala descendente do bando de Kulaxingo, identificado como o poderoso Jaga Kazanje da documentação do século XVII, e percebeu que o assassinato de crianças, representado pelo ritual Magi a Samba, era uma forma de romper os laços de linhagem que dominavam a sociedade Mbundo. Da mesma forma, o rapto de jovens não iniciados servia a este propósito de desprender-se das regras e costumes do grupo de origem e prestar obediência exclusiva ao chefe do Kilombo e não mais aos mais velhos da linhagem e aos detentores das insígnias de poder onde nasceram. Assim os Imbangalas conseguiram se libertar das linhagens, tão importantes no universo Mbundo daquele tempo, e fundar uma nova sociedade com rituais próprios de iniciação e de entronização do poder, em que a obediência ao chefe do Kilombo e a guerra eram elementos fundamentais.
THIS IS HISTORY!
"Nzinga Mbandi PORTUGUESE SETTLEMENT AGAINST":
PART 02
3 - "Jaga or Imbangala: creation and denial of historiography"
The Jaga name appears in Europe for the first time by Lopez reports, published in 1591. At Jagas Pigaffeta is assigned the blame for the great invasion that devastated the kingdom of Congo in 1568 and expelled the king Don Alvaro its capital.
They are described as barbaric, cruel, cannibals, a people who lived the war, causing destruction of the civilized structures of Central Africa:
"They (the Jagas) were large in stature, but an unhealthy proportion, and lived like wild beasts, and ate human flesh. When fighting showed great courage, and used frightful noises to scare the enemy."
The Capuchin Cavazzi, missionary in the realms of Congo, Matamba and Angola in the seventeenth century, left a description "almost ethnographic 'of this group, recording their rites, oaths, beliefs, forms of housing and food. With his Vatican sent function by FIDE of Propaganda to combat heresies and lead to "true faith" to gentiles, Cavazzi saw in Jagas the devil and his own Christian religious practices were translated as "demonic cults". This thinking that accompanied the missionary work in Africa for many centuries.
The sources of the seventeenth century always call the bands of nomadic warriors Jagas, highlighting the inhumanity of these populations and their cannibal habits.
In the 1960s historiography went on to discuss the ethnic identity of said Jagas, relating them to Imbangala. David Birmingham first saw the Imbangala "refugees" originating in Lunda having left the country after the invasion Luba, forming a culturally distinct ethnic group of Jagas, it would be a "wandering people". In another study published the same year, Birmingham says the "Jaga designation identified with the name by which the Portuguese usually called the Imbangala heads." A few years later, this same author admitted the ethnic specificity of Jagas, raising the possibility that they would have directly emerged from the turbulent area of Luba states, and traveled to the Atlantic coast of Congo, while Imbangala were indirectly set in motion the same changes when they reached Luanda.
Jan Vansina says Jagas were from Lunda or, more likely, the Luba. The Jaga, who always incorporated other people, in the early seventeenth century were "wandering a bit everywhere" in High-Kwango region, calling themselves the Mbangala or Mbongola and was later incorporated by Kinguri / Lunda.
Joseph Miller is the first to use the Jaga name in quotation marks, signaling their subjectivity. According to him, the term "Jaga" was the name by which Imbangala were mistakenly known. In their studies, he says the Imbangala were the descendants of Kinguri / Lunda, who invaded the northern part of the country in the seventeenth century Mbundo
The same Miller the following year, I wrote an article with the declared intention to abolish the notion of Jaga historiography of Central Africa as a synonym for an ethno-cultural entity set. Already the title of the article "Requiem for the Jaga," Miller suggests the elimination of this group in the history of the region, stating that the Jagas never existed outside the imagination of missionaries, slave traders or officials from the Portuguese Government which established these mythical cannibals to justify their own activities in Africa. Europeans could see the cruelty, barbarism and cannibalism in various African peoples and ended up giving everyone the name "Jaga", adding to the inaccurate notions of African geography in the sixteenth and seventeenth centuries. Etymological errors would have encouraged the false association between Jaga, Agagi, Galas.
The physical characteristics of Jaga and their behavior, as described, reversed all the things that were familiar to the Europeans: they were black, monstrous cannibals and destroy all forms of civilization as well have played the same function as the Amazon in European mythology, as opposed to the "civilized" values. Some details of the look and weaponry of Jagas derived from the widespread stereotype of the African wild.
The alleged appetite for human flesh received special attention from slave traders in Angola. Public and private merchants used to defend the morality of trafficking for slavery bookstore Mbundo the people being eaten by Jaga. The argument that the slave trade was a blessing because it saved the black cannibalism and converted to the bosom of the "Mother Church" was said by Captain Cadornega and remained in the pro-colonalista Portuguese historiography until the twentieth century. Traffickers also evoked to explain the differences between the number of prisoners taken in and the number of slaves exported on the coast. Missing slaves, of course, have been exported illegally, without paying taxes due, but the illicit traffickers explained this discrepancy saying that would have been eaten by Jaga.
Miller, to delve into the history of the Congo, concludes that the invasion said 1568 had been an internal unhappy collision that struck power, added the foreign invaders from neighboring kingdoms. For Miller, the creation of the "myth of Jagas" served well the Portuguese purposes because after the rescue of Don Alvaro, Portugal spent sovereignty require that kingdom.
John Thornthon continued the debate to "resurrect" the Jagas, affirming its historical existence. Identifies them to Yakas Niari Valley, which actually invaded the Congo. It concludes that the Jaga name describes more a way of life than a specific ethnic group. In a more detailed analysis, we can see that Thornthon does not stray far from Miller since both agree that the word "Jaga" should not be understood as a particular ethnic group, but rather a set of ethno-culturally heterogeneous social formations that, certain times in history, have adopted the institution of Kilombo.
François Bontick also gives its contribution to the debate, published in the same journal, adding more accurate data on the geography of the Congo to reaffirm the existence of this group as a historical agent, but does not give us more information about who the Jagas that appear in the documentation Angola seventeenth century.
Miller made a long survey of descendants of Kinguri bunch, the Imbangala of Malanje district. The researcher gathered oral histories told by official historians of the court of the former State Kasanje called Ndala kandumbu, and the baka the musendo, "historians" unofficial, but professional. Miller noticed how the power insignia Mbundo strains were diluted or incorporated by Kilombos in their migrations.
4 - "Imbangala: Origins, rites and myths"
Lopez-Pigaffeta present the origin of Jagas the legendary land of the Nile near the lake, which is also known in the sixteenth century only by vague references in ancient texts, which was believed to be the province of the Empire "Monemugi". The Mwene Mugi was a mythical kingdom that geographers of that time often were located inside the continent. The allocation of this land of origin to Jagas reportedly reveals its mythical qualities.
Cavazzi reports, according to the traditions he heard in the time lived in Angola, the Jaga would have come from Sierra Leone. Chronicles the founding origins of this warrior band where a great chief called Zimbo ran wide area of Central Africa destroying villages and urging warriors to follow. His wife or daughter, named Temba Ndumba in order to make your invincible soldiers held a ritual called Magi Samba, he released her newborn son in a cauldron and pestle crushed the child to reduce it to a folder, the which he added some herbs and roots. This ointment was passed in the body of warriors to give them magical powers and immortality. The band urged Temba Ndumba as leader of the pack and passed severely following the Kijilas laws, meaning ban on Kimbundo language.
The Jaga were nomads and walked the Africa Central pillaging communities and imprisoning young people still uninitiated in the rites of passage into adulthood of Mbundo people. Andrew Battell, an English merchant who lived as a hostage Imbe Kalandula band for about 16 months from 1600 to 1601, noted that Imbangala obtained new recruits when they raided a village and captured boys and girls between 13 and 14 years and created as if they were his own children. They lived in Kilombos whose meaning appears in the sources as a military camp, highly hierarchical structure and protected by several palisades, which moved as the war needs of the bunch.
Importantly, the Jaga were not a single, cohesive group, did not form an integrated local political system. There were several Jagas gangs that moved and acted separately on different routes under the exclusive power of the head of each Kilombo.
Miller studied the downward Imbangala society Kulaxingo gang, identified as the powerful Jaga Kazanje the seventeenth century documentation, and realized that the murder of children, represented by ritual Magi Samba, was a way to break the line of ties that dominated the Mbundo society. Similarly, the young kidnapping uninitiated served this purpose loosen up the rules and customs of the original group and provide unique obedience to the head of Kilombo and no longer the oldest lineage and to the holders of power insignia where born. So the Imbangala managed to free themselves of the lines, so important in Mbundo universe that time, and found a new society with its own rites of initiation and enthronement of power, in which obedience to the head of Kilombo and war were key elements.
www.sositaguare.blogspot.com
Comentários
Postar um comentário