DIA 16.11.2015 VERSOS ,POESIAS ,CANÇÕES SOBRE O RIO DOCE .

Rio Doce sobrevive nas poesias, crônicas, romances e canções


Neste domingo, o jornal O Globo dedicou algumas páginas ao que foi chamado de “homenagem póstuma ao Rio Doce”, assassinado há uma semana pela lama tóxica despejada pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco. Abaixo, a coluna reproduz as palavras que eternizam em prosa e poesia este que foi (e é) um dos rios mais importantes do Brasil.
‘Nilo brasileiro’. Vista aérea do Parque Florestal Estadual do Rio Doce, na região sudoeste de Minas Gerais, cortado pelo rio que foi completamente poluído há dez dias, ao receber rejeitos químicos da mineradora Samarco - Ana Branco Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/rio-doce-sobrevive-nas-poesias-cronicas-romances-cancoes-18053688#ixzz3rbPflZpZ © 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
‘Nilo brasileiro’. Vista aérea do Parque Florestal Estadual do Rio Doce, na região sudoeste de Minas Gerais, cortado pelo rio que foi completamente poluído há dez dias, ao receber rejeitos químicos da mineradora Samarco – Foto: Ana Branco
MARIANA FILGUEIRAS
O Rio Capibaribe inspirou muitas poesias de João Cabral de Melo Neto; o Rio Amazonas margeia até hoje os romances de Milton Hatoum; o Rio São Francisco inunda o grande sertão de Guimarães Rosa; e não seria exagero dizer que até o Rio Carioca — e todo um Rio de Janeiro, vá lá — passa sob as palavras de Machado de Assis.
O Rio Doce também. O chamado “Nilo brasileiro” fez parte do nosso imaginário cultural na poesia, na prosa e em canções populares.
Braço forte da maior bacia hídrica do Sudeste, com 853 quilômetros de extensão que banham 29 cidades de Minas Gerais e outras 11 do Espírito Santo, o Rio Doce foi completamente destruído pelo rompimento das barragens da mineradora Samarco, em Mariana, há dez dias. Com o desastre, os rejeitos químicos da empresa inundaram seu leito, que já é considerado “morto” por autoridades ambientais do Ministério Público do Espírito Santo e do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Minas Gerais.

O Rio Doce, tal como era, só sobrevive nas letras a seguir. Coletados pelo Globo como uma homenagem póstuma ao rio, os trechos têm o Rio Doce como referência ou cenário — em tons bucólicos, picarescos ou críticos.
Em 1781, o luso-brasileiro Frei Santa Rita Durão já listava o Rio Doce entre as paisagens brasileiras no poema épico “Caramuru”, que conta a história do náufrago português Diogo Álvares Correia, o Caramuru do título, que viveu entre os índios tupinambás.
Rubem Braga fala da porção capixaba do rio nas crônicas “Barra do Rio Doce”, de 1949, e “O lavrador”, de 1954. Mineiro de Caratinga, o cartunista e escritor Ziraldo dedicou, em 1996, o livro infantil “O menino do Rio Doce” à criança que um dia fora, crescida à beira do seu leito (“O menino tinha certeza de que havia nascido no dia em que viu o rio”).
Anos depois, em 2001, o também mineiro Roberto Drummond publicou “O cheiro de Deus”, romance que também cita o rio. Mas é o poeta Carlos Drummond de Andrade quem antevê a tensão entre o rio e as mineradoras que o exploraram desde sempre no poema “Lira itabirana”, de 1984: “O Rio? É doce. A Vale? Amarga.”
Entre as referências do cancioneiro popular, a principal delas é “Rio Doce”, que já aparecia numa versão instrumental no álbum “Sol de primavera” (1979), de Beto Guedes. Que ganhou uma segunda parte de Tavinho Moura e letra definitiva de Ronaldo Bastos, em 1981: “Onde existir parece que é nada/ Mas viver é mansamente brotar”.
“Rio Doce”, Beto Guedes, Tavinho Moura , Ronaldo Bastos (1981)
Vai a me levar como se fosse
Indo pro mar num riacho doce
Onde ser é ternamente passar
São vidas pequenas das calçadas
Onde existir parece que é nada
Mas viver é mansamente brotar
Muito prazer de conhecer
Muito prazer de nessa rua ser seu par
Ao partilhar do teu calor
Você liberta a primeira centelha
Que faz a vida iluminar
A correnteza me levou
Me apaixonei em todo cais que fui parar
Cada remanso um grande amor
Por esses breves eternos momentos
Que tive o dom de navegar
São vida dos belos horizontes
Gente das mais preciosas fontes
Onde ser é ternamente brotar
Vai cantando as voltas do moinho
Onde a beleza teceu seu ninho
Mas viver é mansamente passar
Se fosse meu o seu amor
Se fosse meu, bem que eu mandava ladrilhar
Se essa rua fosse minha
Com diamantes de luz verdadeira
Pra ver meu amor passar
“Lira Itabirana”, Carlos Drummond de Andrade, 1984
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
“Barra do Rio Doce”, Rubem Braga, 1949
O homem de binóculo focalizava a bandeirinha que se agitava lá em terra lá em terra, no pontal sul, perto do farol. O próprio comandante estava na roda do leme; e o chefe de máquinas, oficial da Marinha de Guerra aposentado depois de fazer duas guerras, estava no telégrafo das máquinas.
— Que é que a bandeirinha diz?
— Bombordo! Toda a força a bombordo!
O timoneiro obedece — e olhamos em silêncio para a proa. A corrente está fortíssima, e a maré inda está baixa. Em nossa frente o Rio Doce despeja toda sua massa de água cor de lama, de um quilômetro de largura, em um estreito canal. Temos de passá-lo.
— Bombordo!
A proa hesita um instante — e depois, lenta, implacavelmente, vai-se voltando para boreste. Os mil cavalos de nossos dois motores se esbofam à toa.
— Para trás!
— …
— Marca assim!
Avançamos outra vez, penosamente. “A proa é esta!” Pode ser algum espadarte que deseje ir desovar na lagoa de Juparanã; quando a nós vamos em cima de um banco de areia. Bonito. Ouvimos aquele ruído triste do casco na areia. As ondas assanhadas pelo nordeste ensaiam abordagem perto da proa. O chefe das máquinas está em silêncio mascando seu toco de charuto. O caboclo que é considerado prático na barra adota esta atitude não muito eficiente, mas em todo caso justificável no momento: coça a cabeça. A bandeirinha, lá longe, manda recados muito salutares, mas inócuos, como um sargento que berrasse ordens para um recruta paralítico.
“O menino do Rio Doce”, Ziraldo, 1996
Rio que nasce doce na gorda barriga da montanha na praia (do lado de cá). O menino tinha certeza de que havia nascido no dia em que viu o rio. Na sua memória, não havia nada antes daquele dia. O menino amou o rio pois acreditou que o rio também havia nascido no dia em que ele o viu.
“O lavrador”, Rubem Braga, 1954
Esse homem deve ser de minha idade — mas sabe muito mais coisas. Era colono em terras mais altas, se aborreceu com o fazendeiro, chegou aqui ao Rio Doce quando ainda se podia requerer duas colônias de cinco alqueires “na beira da água grande” quase de graça. Brocou a mata com foice, depois derrubou, queimou, plantou seu café. Explica-me: “Eu trabalho sozinho, mais o menino meu”. (…) No começo ainda não tinha prática de canoa, estava sempre com medo da canoa virar, o menino é que logo se ajeitou com o remo; são quatro horas de remo lagoa adentro. Diz que planta o café a uma distância de dez palmos, sendo a terra seca; sendo fresca, distância de quinze palmos. Para o sustento, plantou cana, taioba, inhame, mandioca, milho, arroz, feijão. Disse que uma vez foi lá um homem do governo e proibiu (“empiribiu”) armar fojos e mundéus, pois “se chegar a cair um cachorro de caçador, eles mete a gente na cadeia e a gente paga o que não possui”. Olho sua cara queimada de sol; parece com a minha, é esse mesmo tipo de feiura triste do interior.
“O cheiro de Deus”, Roberto Drummond, 2001
Minas Gerais: amo em ti a contradição. És barroca em Ouro Preto, Tiradentes, Diamantina, Congonhas e Mariana, e moderna na Pampulha. Aqui, tu acendes o fogo, incendeias os corações: ali tu és, Minas Gerais, a água na fervura, a água apagando o fogo. Tu és senão a cidade, és o passado e és o presente, és o Rio Doce e rios amargos, trágicos, és um casarão com 38 janelas e és uma casa moderna e ensolarada.
“Canto VII de Caramuru”, Santa Rita Durão
O Sergipe, o real de licor puro,
Que com vinte o sertão regando correm,
Santa Cruz, que no porto entra seguro,
Depois de trinta, que no mar concorrem;
Logo o das Contas, o Taigipe impuro,
Que, abrindo a vasta foz, no oceano morrem.
O Rio Doce, a Cananeia, a Prata,
E outros cinquenta mais, com que arremata.

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