Faltou participação da sociedade no Codigo Florestal

Leme Machado: 'Faltou participação da sociedade no Código Florestal'

Um dos mais respeitados advogados da área ambiental do país, o professor Paulo Affonso Leme Machado entrou da polêmica da alteração do Código Florestal. Autor do “Direito Ambiental Brasileiro” (Editora Malheiros), espécie de bíblia do assunto, ele critica possíveis mudanças nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e considera que há uma pressa infundada para a votação da matéria.

Mestre em direito ambiental pela Universidade de Estrasburgo, na França, aos 71 anos Leme Machado diz que a falta de participação da sociedade é o pecado principal no embate e faz um apelo aos parlamentares que votarão a matéria provavelmente nesta terça-feira: “Espero que os parlamentares sintam que a sociedade quer continuar a desenvolver-se com justiça ambiental”. O Blog Verde conversou com o professor, morador de Piracibaba (SP), por telefone.
Blog Verde — Em linhas gerais, qual análise o senhor faz sobre o texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP)?

Paulo Affonso Leme Machado —
 A proposição do relator do projeto (Aldo Rebelo) não é clara, precisa, não é segura. As leis ambientais devem ser claras, caso contrário podem abrir perigoso espaço para a corrupção, para o achismo. O bom senso indica a manutenção das Áreas de Preservação Permanente (APPs). A flexibilização das APPs é o grande fracasso do novo texto. Manter árvores nos topos dos morros é uma questão de evitar o que todos nos estamos vendo. Vocês aí do Rio sabem mais do que ninguém do que eu estou falando. As tragédias recentes mostram isso.
Blog Verde — Um dos pontos mais controversos da proposta de mudança do Código Florestal é justamente a possibilidade de alteração das APPs. Por que o senhor é contrário?

Paulo Affonso Leme Machado —
 Antes de tudo, é importante ressaltar a importância das APPs, que antes eram chamadas de “florestas protetoras”. E até hoje assim elas são chamadas na França. Este, inclusive, foi o tema de tema de minha dissertação de mestrado, em Estrasburgo. Além da função de resguardo da fauna, as APPs são importantes na proteção aos rios, no sentido de evitar a erosão, levar esta erosão para dentro dos rios. E, por outro lado, evitam a lixiviação, a corrida de agrotóxicos para os corpos hídricos. Este atributo mais importante das APPs, de proteção das águas, está fora da discussão. O que, a meu ver, é um grande equívoco. Sem água, ninguém vive. Nem o ambientalista, nem o fazendeiro, nem o ruralista.
Blog Verde — Há estudos relacionando APP e conservação dos cursos hídricos? 
Leme Machado — No segundo semestre de 1992, depois de trabalhar coordenando a Rio-92, tive uma experiência que ilustra bem a questão. Fui convidado para trabalhar para a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em Cabo Verde. Minha responsabilidade era preparar um projeto de lei sobre as questões agrárias e ambientais. Lá em Cabo Verde tinham acabado com as APPs. Resultado: os rios simplesmente secaram. A gente sofria só de olhar.

E qual a melhor estratégia para manter as APPs?
Leme Machado — Esta é uma outra questão de suma importância. É preciso que apostemos em princípios novos, como o princípio do protetor-recebedor, que entrou recentemente na lei 12.305, de 2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos). Por este princípio, o proprietário protege, mas recebe uma compensação financeira em troca. Entendo que é preciso valorizar mais as pessoas que têm este serviço ambiental em suas propriedades. De diversas formas. Provendo mudas, ajudando no replantio...
E quanto à Reserva Legal? O senhor é favorável à flexibilização destas áreas? 
Leme Machado — Esta uma discussão que deve ser travada com mais profundidade. Pois as reservas legais variam de acordo com o bioma, cada caso é um caso. A Reserva Legal é um banco genético, um estoque ambiental para o presente e para o futuro. Se complementa às APPs. Mais uma vez, o proprietário rural que cumpre a legislação e tem Reserva Legal deve ter benefícios em troca. Acho excelente que tenha (Reserva Legal). Mas neste momento, se as coisas não estão suficientemente esclarecidas, que se continue o debate.
Está havendo pressa na votação da matéria? 
Leme Machado — Sem dúvida. Não sou a favor de nenhuma inércia, mas o debate tem que acontecer com calma. A Política Nacional de Resíduos Sólidos demorou dez anos para sair do papel.

Do ponto de vista jurídico, o Código Ambiental atualmente em vigor tem falhas? Ele deve ser aperfeiçoado?

Leme Machado — O fato de ter 46 anos não quer dizer que o Código esteja defasado. Não acho velho. Há leis muitos mais antigas que são aproveitáveis. Acredito que (a atual proposta) de reforma é um descompasso, pois não coloca o direito à informação e o direito à participação. Estas são as molas do direito ambiental moderno. E nenhum dos lados, nem os ruralistas e nem os ambientalistas, está apresentando isso. Precisamos inserir o Código dentro da Política Nacional de Meio Ambiente, que completa 30 anos em agosto. Não há participação da sociedade civil na organização do zoneamento agrícola. Isto tudo tem que ser levado em conta.
O senhor acredita que, ao fim e ao cabo, o Brasil terá um código mais moderno e eficiente? 
Leme Machado — Sou um esperançoso. Vai depender da solidariedade. E digo solidariedade não em um sentido poético. Mas como preceito constitucional. Devemos ser uma sociedade livre, justa fraterna e solidária. Está na Constituição. Solidária com as presentes e futuras gerações. Ter hoje para ganhar sempre. É preciso apelar para o sentido da compreensão cívica dos que estão interessados em modificar o Código. Espero que os parlamentares sintam que a sociedade quer continuar a desenvolver-se com justiça ambiental.

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