Pelo olho da agulha


Pelo olho da agulha

Ignacy Sachs*
Em que pesem os infortúnios de Cândido, que, na obra de Voltaire Cândido, Ou o Otimismo, acreditou na máxima do seu preceptor, Pangloss: “Tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”, continuo a pensar que, embora estreito, o caminho de salvação para a humanidade ainda está ao nosso alcance. Sim, ainda podemos mudar de rumo e encontrar a porta de saída, por estreito que seja o olho da agulha bíblico.
Na medida em que a energia constitui a chave para aumentar a produtividade do trabalho e o volume do produto global, podemos e devemos colocar como tríplice objetivo estratégico a sobriedade energética, uma maior eficiência no uso das diferentes energias e especial destaque para as fontes renováveis.
A iniciativa das Nações Unidas conhecida como “Energia sustentável para todos” (SE4All) [1] responde a esses objetivos, lembrando, porém, que, neste momento, 1,3 bilhão de pessoas – uma entre cinco – não têm acesso à eletricidade, enquanto quase 40% da população mundial recorre ainda a lenha, carvão mineral ou vegetal e estrume para cozinhar, condenando assim quase 2 milhões de pessoas por ano, sobretudo mulheres e crianças, a morrerem intoxicadas pela fumaça.
[1] Sustainable Energy for All – A Global Action Agenda, United Nations, New York, April 2012
Daí a importância dos principais objetivos da iniciativa acima mencionada:
- assegurar o acesso universal aos serviços prestados pelas energias modernas;
- reduzir em 14% o uso global da energia até 2030, graças a equipamentos mais eficientes – cozinhas elétricas, fogareiros, geladeiras, automóveis e outros meios de transporte, bem como imóveis que requerem menos energia para serem aquecidos ou refrigerados;
- aumentar a parcela das energias renováveis dos 15% atuais para 30% em 2030.
Ao respeitar esta folha de caminho, teremos condições de avançar na erradicação da pobreza sem provocar mudanças deletérias do clima, possivelmente fatais para a humanidade, ao limitar o aumento da temperatura global a menos de 2 graus. [2]
Dito isso, não temos o direito de ignorar os limites ao crescimento irrestrito da produção de bens e serviços no planeta Terra. Um estudo recente da Universidade de Estocolmo [3] apontou os limites planetários que devem ser respeitados ao definir estratégias de desenvolvimento de longo prazo: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, modificação dos ciclos de nitrogênio e fósforo, usos de água, mudanças no uso dos solos, acidificação dos oceanos, redução do ozônio estratosférico, poluições químicas e aumento dos aerossóis. Três entre esses limites já estão sendo ultrapassados neste momento: as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e as emissões de nitrogênio.
[2] Ver Joeri Rogelj et al., “The UN’s ‘Sustainable Energy for All’ Initiative is Compatible with a Warming Limit of 2 °C”, Nature Climate Change, 24 feb. 2013.
[3] Maria Schultz et al., Human Prosperity Requires Global Sustainability, Stockholm Resilience Centre, 2013.
O mais importante, portanto, é gerar resiliência contra essas mudanças, às vezes abruptas e não previstas, tema desenvolvido por Johan Rockström, diretor do Stockholm Resilience Centre. A resiliência é a capacidade de um sistema de absorver os distúrbios que o atingem sem deixar de exercer suas funções básicas.
Estamos, assim, entrando em uma nova fase do processo de desenvolvimento na qual deveremos envidar esforços para continuar a enfrentar simultaneamente duas tarefas primordiais: a redução da pobreza e o aumento do bem-estar da humanidade por um lado e, por outro, a manutenção da sustentabilidade global.
Os mercados têm a vista curta demais para nos orientar nesse caminho íngreme. Daí a importância de reabilitar o planejamento a longo prazo compatível com as economias mistas público-privadas, inclusive as de caráter predominantemente capitalista.
Os futuros historiadores da nossa época não deixarão de registrar um paradoxo: o planejamento foi instituído em um momento em que carecíamos de instrumentos necessários para o seu desempenho correto e está sendo desprestigiado na era dos computadores, que, no entanto, constituem potencialmente um instrumento eficiente na mão dos planejadores. Sem nos alongar na explicação dessa situação, em parte devida aos desmandos praticados por planejadores em regimes autoritários, devemos com urgência (e seriedade) voltar a planejar.
Às Nações Unidas cabe uma dupla responsabilidade. A primeira, de ajudar os países-membros a estabelecerem, em nível nacional, provincial e local, um eficiente planejamento ecossocioeconômico a longo prazo. A segunda, de tomar as medidas necessárias para que os planos nacionais sejam articulados em planos regionais e em um plano mundial de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável de 15 ou 20 anos. O Banco Mundial e o bancos regionais de desenvolvimento deverão se empenhar para assegurar o seu financiamento.
*Ignacy Sachs é ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales
www.sositaguare.blogspot.com

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